

Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) aterrissou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, por volta das 21h20 desta sexta-feira, 7, trazendo 88 brasileiros deportados pelos Estados Unidos. O voo partiu de Fortaleza na tarde de hoje, onde a aeronave proveniente dos EUA fez uma parada para desembarque de parte dos deportados e para a retirada das algemas usadas no voo até o Brasil.
Ridelson, que preferiu se identificar apenas pelo primeiro nome, relatou ao Estadão que foi preso nos Estados Unidos no dia 13 de janeiro, antes mesmo de completar sua entrada no país. Quanto ao tratamento durante o voo de deportação entre Louisiana e Fortaleza, com mãos e pés algemados, o brasileiro expressou indignação.
“As pessoas não têm amor, não têm respeito ao ser humano. O que mais me deixou revoltado foi o fato de estarmos ali, amarrados, algemados, com os pés e as mãos… Isso é muito forte. É muito forte, porque não somos bandidos. Cometemos um erro, entramos de forma ilegal, sim, mas não acho que havia motivo para isso”, afirmou.
Natural de São João Evangelista (MG), o brasileiro contou que pretende passar “um bom tempo sem comer pão com mortadela”. “Já estou com nojo”, comentou sobre a comida servida no voo. No entanto, ao chegar ao Brasil, ele elogiou o atendimento em Fortaleza. “Minha casa, né? Eu me senti em casa. Fui muito bem recebido”, disse.
Esta foi a segunda operação de deportação de brasileiros durante o governo de Donald Trump. O voo com 111 deportados partiu de Luisiana na madrugada e aterrissou em Fortaleza por volta das 16h, onde a aeronave da FAB aguardava parte dos brasileiros para levá-los até Minas Gerais.
Segundo a Polícia Federal, a maioria dos repatriados é jovem: oito pessoas têm até 10 anos; 11 têm entre 11 e 20 anos; 38 têm entre 21 e 30 anos; e 33 estão na faixa etária dos 31 a 40 anos. Apenas 17 têm entre 41 e 50 anos, e quatro têm 51 anos ou mais, sendo o mais velho do grupo com 53 anos.
O grupo é composto por 85 homens, dos quais 71 estavam desacompanhados. Apenas 26 são mulheres, das quais 12 estavam sozinhas. Cerca de 25% (28 pessoas) do grupo veio em núcleo familiar. Vinte e três brasileiros permaneceram no Ceará.
O Aeroporto de Confins é um destino tradicional dos voos de deportação que chegam dos Estados Unidos, mas a mudança foi realizada para reduzir a distância e o tempo que os brasileiros deportados passariam sendo transportados algemados.
Há duas semanas, um voo com 88 brasileiros deportados foi marcado por relatos de algemas e correntes, falhas no sistema de ar-condicionado e maus-tratos por parte de agentes dos EUA a bordo. O episódio levou a reuniões entre o governo de Lula e a Embaixada dos EUA em Brasília.
No Aeroporto de Confins, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Macaé Evaristo, afirmou que mulheres e crianças não foram algemadas no voo até Fortaleza. A mudança no tratamento, segundo ela, indica uma melhoria no atendimento em comparação ao governo dos Estados Unidos.
Em Belo Horizonte e Fortaleza, os repatriados foram recebidos por uma ação coordenada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e outras pastas, como o Itamaraty e a Saúde, com o objetivo de prestar atendimento no serviço migratório, fornecer alimentação e oferecer informações sobre serviços essenciais, incluindo procedimentos para matrícula na rede de ensino e regularização vacinal.
Além de um ônibus para levar os brasileiros ao encontro de seus familiares, o governo brasileiro disponibilizou outro ônibus para o Sesc, onde um centro de acolhimento foi instalado.
“O ponto positivo que a gente pode destacar deste momento é que as instituições estão se organizando para esse procedimento de acolhimento. Uma organização que não existia anteriormente, mas desde que tomamos ciência da situação com o voo, estamos fazendo uma grande mobilização para criar esse posto de acolhimento aqui”, afirmou a ministra.
Um grupo significativo dos brasileiros que desembarcaram em Minas Gerais é da região metropolitana de Belo Horizonte, mas também há pessoas de Governador Valadares e de outros Estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste do País, de acordo com a ministra.
Segundo o governo brasileiro, essas duas deportações não têm relação direta com a operação massiva realizada por Trump contra imigrantes ilegais. Os voos fazem parte de um acordo firmado em 2017, que ainda está em vigor.
Trump assumiu a Casa Branca com a promessa de realizar “a maior operação de deportação em massa da história”. Poucos dias após sua posse, o republicano ordenou várias medidas contra a migração ilegal, incluindo deportações, o envio de milhares de soldados para a fronteira com o México e a prisão de 538 pessoas em situação irregular, segundo a Casa Branca.
João Vitor Batistal, de 26 anos, natural de Governador Valadares (MG), relatou mudanças no tratamento de imigrantes detidos logo após a posse de Trump. De acordo com ele, a partir de 21 de janeiro, os deportados passaram a ser transferidos constantemente entre unidades de detenção.
“A gente já não ficava dois dias em um lugar só. Já ia para outro e outro, e já não tinha mais os direitos básicos que a gente tinha antes”, disse. Ele afirmou que, no governo anterior, ainda era possível solicitar atendimento e conversar com agentes sobre problemas, mas isso mudou com a nova administração. “A partir do dia 21, a gente já não tinha mais direito nenhum de fala.”
As transferências constantes também dificultaram o contato com as famílias. João Vitor explicou que, para ter acesso a ligações ou ao uso de tablets, era necessário um período de cadastro na unidade de detenção – algo que não ocorria devido ao curto tempo de permanência em cada local.
“A gente ficava muito pouco tempo e não conseguia ter o tempo de fazer esse cadastro”, contou.
Acolhimento humanitário
De acordo com Ana Maria Gomes Raietparvar, da Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos das Pessoas Migrantes, Refugiadas e Apátridas, a recepção dos repatriados deixou os brasileiros aliviados já na primeira parada em Fortaleza, como noticiou a Agência Brasil.
“O atendimento foi muito bom, considerando que foi a primeira vez em que o Ceará recebeu repatriados. Tivemos um apoio enorme, fizemos um acolhimento humanitário, e as pessoas, quando viam a gente, ficavam aliviadas. Alguns chegaram envergonhados, mas, quando viram como seria a recepção, relaxaram bastante”, afirmou.
A sala de autoridades do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, foi transformada em Posto de Acolhimento aos Repatriados. A estrutura também inclui acesso à água, alimentação, pontos de energia, internet e banheiro.
No local, foram disponibilizados canais para que os repatriados possam entrar em contato com familiares e obter orientações sobre serviços públicos de saúde, assistência social e trabalho, regularização vacinal e matrícula na rede de ensino.
Um grupo de trabalho (GT) formado por representantes do governo brasileiro e do governo dos Estados Unidos (EUA) monitorou o voo. Cinco horas antes da chegada ao Brasil, o governo dos EUA disponibilizou a lista com o quantitativo e o perfil dos repatriados. Não houve registros de passageiros sob alerta da Interpol.
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